sexta-feira, 11 de abril de 2008

A cama está fria

A cama está fria. Sinto o frio dos lençóis contra o meu corpo mas não me apetece mexer. Sei que vais chegar a qualquer momento, sei que em breve vou deixar de estar só. Ouço a chave na fechadura, enterneço-me com o cuidado que tens em entrar sem barulho para não me acordares… Se soubesses que estou à tua espera… Caminhas lentamente pela casa e eu fecho os olhos e imagino-te: primeiro vais até à sala confirmar que as janelas estão fechadas (sempre foste protector), depois vais à cozinha para matar a sede com que chegas todas as noites… Também eu tenho sede, mas a minha não pode ser só saciada com água. Tenho sede de ti… Mais uns minutos se passam e ouço finalmente a maçaneta do teu quarto rodar. Abres a porta lentamente e entras no quarto sem acender as luzes. Pousas o teu saco e desapertas a gravata. Observo-te na escuridão do quarto e tudo me parece belo, gracioso, perfeito. Os teus movimentos, a tua expressão, até a forma como desapertas os botões me parece linda. Eis quando levantas o rosto e te apercebes que não estás só. Imagino como deves estar a pensar que talvez te tenhas enganado no quarto mas um rápido movimento, quase imperceptível, de olhos confirma-te que o quarto é o correcto, e eu estou na tua cama. Não desvio o olhar mas sei que pouco distingues do meu rosto, o quarto está escuro e deves ver apenas o brilho dos meus olhos. Prendo-te o olhar. Lentamente ganho a coragem que levei meses (quem sabe anos!) a criar e afasto os lençóis, num convite silencioso ao que sempre desejei. Os segundos arrastam-se e tu não te mexes… sinto que algo dentro de mim morre e começo a pensar que o melhor é sair enquanto ainda me resta alguma dignidade e aceitar a recusa de cabeça erguida, afinal já não somos crianças. Afinal já não somos crianças, não… Somos amigos de infância, daqueles que sempre foram seres assexuados, que brincavam sem malícia, sem segundas intenções. Mas eu quero mais! Desconfio que sempre quis, mas quem o pode dizer com certeza? Apenas sei que um dia olhei para ti e tudo mudou… Vi os teus olhos escuros, os cabelos ensopados de chuva e senti que eras o homem ideal para mim… que ironia! Vivo na mesma casa que tu e precisei de anos para o descobrir. Lembro-me de tudo. Do passado, do presente e questiono o que será o futuro? Como vou conseguir viver aqui depois de tudo? Suspiro, fecho os olhos por um segundo… Mas quando os volto a abrir descubro que tu te mexeste. O meu coração dispara, sinto que a minha respiração está mais acelerada. Cada passo que dás em direcção à cama faz o ritmo aumentar. Meu Deus o que vais fazer? Tapar-me? Sentar-te? Conversar? E agora? Apoias o joelho na cama. Sinto o colchão mexer sob o teu peso. A tua mão treme. Hesitas um segundo mas depois esticas a mão e acaricias-me o rosto. Sussurras algo que o meu cérebro demora a processar: “Quem me dera que tivesse sido sempre assim.” O meu coração explode de alegria e não consigo conter um sorriso rasgado. Os meus olhos dizem tudo! Sentes o mesmo que eu! Acaricio-te o braço e não digo nada. Na verdade creio que não consigo falar. A minha cabeça é um turbilhão, o meu coração parece que quer saltar do peito e desejo que me toques e me faças sentir mulher pela primeira vez. Então acontece… Lentamente, muito lentamente baixas-te até mim e roças os lábios nos meus. Um toque muito suave mas que me eleva até onde nunca tinha estado. Sinto-me uma criança, parece que nunca fui tocada, acariciada, amada… cada toque, cada roçar, cada bafo do teu hálito na minha pele me excita. Sinto-te em todo o meu corpo, embora ainda só tenhas roçado os meus lábios. Afastas a cara e sorris. Tenho a face corada mas isso não vez, está escuro. A respiração cada vez mais ofegante. Tocas o meu nariz com o teu, como se me quisesses transmitir calma. Vai tudo correr bem. Mordo o lábio, mais nervosa que aquilo que gostaria de admitir. Beijas-me então. Agora sim um verdadeiro beijo. Separo os lábios para te poder sentir melhor. O teu beijo é tudo o que imaginava e ainda mais. Os lençóis impedem-me de mexer as pernas, sinto-me presa. Como se o tivesses adivinhado afastas a roupa e relaxas sobre mim. Sinto o teu peso e finalmente sinto-me completa. Desces uma mão pelo meu corpo, passas sobre o meu peito, desces pela cintura até encontrar o fim do tecido do pijama. Acaricias-me a pele nua e sinto-me arrepiar. O beijo não tem fim e deixo de conseguir distinguir o que me fazes. Tenho noção que me acaricias e que me vais despindo, mas estou num tal estado de euforia que não consigo raciocinar. Beijas-me a face, o pescoço, acaricias-me com a língua. Sussurras palavras incompreensíveis e sei que faço o mesmo. Toco-te as costas e vejo que em algum ponto tiraste a camisa mas nem disso me apercebi. Em poucos minutos vestimos apenas a nossa pele, os nossos corpos brilham com o suor. Tocas-me no corpo e na alma. O momento parece-me perfeito. Sinto-te enquanto me penetras. O mundo parece parar! Aliás, parece que estamos em sintonia com o mundo! Sinto-me flutuar no espaço e de repente arrastada num turbilhão de luz, o tempo que pareceu arrastar-se apenas há uns minutos atrás está agora numa correria sem fim. Sei que estamos perto do vértice onde se vê a luz brilhante que é a tua alma e a minha. Desabas sobre mim, tens o cabelo colado a testa tal como no dia em que te comecei a amar. Afasto-te a franja da cara e sinto o meu sorriso a voltar. A tua respiração normaliza. Está tudo perfeito. Subitamente levantas-te e já não és o homem que me sorri em cumplicidade. Não reconheço o teu rosto. Balbucias frases sem nexo e consigo perceber apenas as palavras “Erro” e “compromisso”. Vestes-te e sais sem olhar para trás… Os meus olhos ardem com as lágrimas não choradas… Sinto que o mundo parou. Levanto-me da cama que agora não cheira só a ti, cheira a nós. Sinto uma nostalgia agridoce que me enche o peito. Visto-me e vou até ao meu quarto. Lavo o rosto e fico estranhamente vazia, sem sentimentos, inerte, sem vida. Deito-me na cama. A minha cama está fria.
TM 11/04/2008

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