segunda-feira, 21 de abril de 2008

A cama está fria - Terceira Parte

Passaram três semanas desde que pisei a última vez esta casa. Da última vez que cá entrei foi apenas para vir buscar uma mala com roupa. Desde que saí que estou em casa dos meus pais... mais uma vez em casa dos meus pais. Tive de explicar porque voltei de forma tão abrupta para casa. Como se explica aos pais que nos apaixonamos por alguém que não nos merece? E que nos queria tornar na outra? Pois... Não se explica. Na primeira noite dormi em casa de uma amiga que me acolheu sem perguntas. Depois fui buscar a minha roupa e voltei para casa... Não falei com os meus pais nem com o meu irmão... eles perceberam que precisava de tempo... E ainda não me fizeram perguntas... Mas já os ouvi a falar, e vejo nos seus olhos... Eles percebem que algo não está bem. Voltei agora... três semanas depois para vir buscar as minhas coisas e mudar-me definitivamente para casa dos meus pais. Estou cansada. Saio às 6h de casa para poder chegar ao trabalho a horas. E chego quase às 22h a casa... Mas prefiro isso a voltar a entrar a dar de caras com o Tiago... Não sei o que farei quando o encontrar... Cada vez que penso nele sinto o sangue ferver nas minhas veias! Só penso que raio de amor era aquele, afinal só me “queria”... Mas oficializar não. Para quê? Tinha tudo o que queria sem ter chatisses. Sei bem que eu tivesse cedido ia ser enrolada e ludibriada... Não estou para isso. Abri a porta com alguma apreensão mas depois respirei fundo e sorri... a esta hora ele está no trabalho. Entrei sem qualquer receio. Fechei a porta e dirigi-me directamente ao meu quarto. Conforme lá entrei dei de caras com o Tiago sentado na minha cama... Pareceu-me que nem três minutos tinham passado quanto mais três semanas! Tinha a toalha na mão, os olhos vermelhos e a barba por fazer. Fez-me impressão... Eu não estava bem mas de qualquer das formas estava apresentável. Guardava as minhas lágrimas para a minha melhor confidente: a minha almofada. Não soube o que dizer, nem o que fazer... Ele pareceu-me tão vulnerável. Mas sei que não posso ser fraca agora. Senão vou ceder. “Vim buscar as minhas coisas” digo evitando olhar nos olhos de Tiago. Tem uns olhos castanhos nos quais me posso perder... E eu não quero, não posso... não devo. Ele não diz nada. Apenas olha para mim. Deve pensar que eu sou uma cobarde para nem sequer o olhar nos olhos. Vou até ao escritório onde sei haver caixotes vazios. Pego em alguns na esperança que ele tenha saído do quarto. Quando regresso ao quarto ele ainda lá está, imóvel, com os olhos fixos como se eu não tivesse saído do mesmo lugar. Tento ignorar e começo a colocar o resto das minhas roupas e objectos pessoais indiscriminadamente nas caixas. “Ela está grávida” a voz não é mais que um sussurro. “E tenho de me casar com ela” a voz é inexpressiva. Parece-me que ele nem me vê. Está apenas a desabafar toda a dor que tem no peito. Tenho pena dele, e arrependo-me porque sei que a pena é o pior sentimento que alguém pode ter. Tento ignorar as palavras mas cada uma delas me atinge no mais íntimo do meu ser como lâminas que me dilaceram lentamente por dentro. Compromisso, gravidez e agora casamento... O que restava do meu coração desfragmenta-se. Continuo a encaixotar mecanicamente os meus pertences. “A família dela é tradicional e não querem um bastardo na família” Um sorriso irónico que longe de lhe alegrar a cara cada vez a deixa mais desumana, surreal. Tento bloquear a sua voz, tento esquecer este homem que tanto amo, tento esquecer tudo... Não posso permitir que isto me atinja, não posso! Tiago continua durante todo o tempo que lá estou a falar... Fala para ninguém, pois acho sinceramente que ele não me vê. Fala para purgar a dor que tem no peito, sem se aperceber que está na realidade a transferir a dor dele para mim. Porque vim hoje cá? Oh Deus, porquê? Apresso-me a arrumar tudo mas quanto mais depressa quero trabalhar mais me parece que as mãos estão trôpegas e sem conseguir pegar nas coisas. Deixo cair roupa, não consigo inserir os objectos nas caixas, encho-as de tal maneira que não as consigo fechar. Tudo na ânsia de sair dali o mais depressa possível! Ainda pensei voltar noutro dia mas de que serviria? Afinal já ouvi... Finalmente termino! Empilho as caixas e carrego-as à vez para a porta. Fecho-a sem olhar para trás e sem dizer nada. O Tiago continua a falar, sozinho, para o nada. É a última imagem com que fico dele. *** A carta é anunciada pela voz estridente da minha mãe antes do pequeno-almoço. Finalmente encontrei outro emprego mais perto e por isso evito tantas horas ao volante todos os dias. Pouso a torrada de sobrolho franzido enquanto vejo a minha mãe abrir o envelope. “É do Tiaguinho! Que será feito desse moço? Não tens sabido nada dele Leonor?” Grunho qualquer coisa e mordisco a torrada para evitar responder. O meu irmão olha de lado para mim. Apesar de ter casa própria passa mais tempo cá que lá. O emprego trouxe-o de volta a casa e para não conduzir quando sai mais tarde prefere ficar por cá a dormir. “Uma carta? Mas aquele homem regrediu no tempo? Nunca ouviu falar de telemóvel nem de e-mail?” O meu irmão levanta-se da mesa e coloca a chávena de café no lava loiças. “O que é que esse caramelo quer, mãe?” “Ai meu Deus que é um convite de casamento! O Tiago vai casar no verão, e está a convidar a família toda!” “Eu não posso” as palavras atropelam-se pela boca fora. “Não posso ir” “Como sabes? Ainda nem te disse a data e além do mais não trabalhas aos sábados. Vai a família toda claro! Afinal o Tiago é como se fosse um membro da família” A sentença está lida. Tenho de ir, a menos que revele a todos o porquê de não querer. E prefiro morrer a dizer que amo alguém que não merece. *** Chega finalmente o fatídico dia. O sol aquece-me por fora e apesar de saber que estou perfeita por fora por dentro estou nervosa, magoada. Sinto-me uma mártir que se entrega à tortura. Cheguei para assistir ao triunfo do meu inimigo. A leve brisa brinca com o tecido do meu vestido. Uso um vestido mais recatado propositadamente. Não quero que me acusem de nada. Dei uma desculpa que me permitiu não assistir a recepção em casa do noivo. Uma pequena mentira sobre um projecto que tinha de entregar sem falta no trabalho exactamente à hora da recepção e que lhe iria ocupar algumas horas foi a desculpa perfeita. Chegou à Igreja ao mesmo tempo que os convidados da noiva e perdeu-se na multidão. Ficou num canto na semi-obscuridade e observou a cerimónia toda em silêncio. Viu a barriga que a noiva exibia orgulhosamente e o olhar apático de Tiago, que parecia preferir estar bem longe dali. Um sentimento de ódio fez com que um sorriso lhe aflorasse nos lábios... Ele merecia tudo o que estava a sofrer. Tinha enganado a noiva sabe Deus quantas vezes... Com ela duas mas quantas mais! Quando acabaram os votos matrimoniais saiu da igreja para evitar o rebuliço que se seguiria e as lágrimas de ocasião. Fazia-lhe mal ver as lágrimas forçadas e os lenços... tudo esquematizado, porque tinha de ser assim. Estava abrigada debaixo de uma árvore quando os pais a encontraram. Explicou que chegou mais tarde e que por isso ficou no fundo da capela para não incomodar. Os meus pais queriam ir cumprimenta-lo mas a mim só me apetecia ir para casa. Finalmente chegou a altura. A minha mãe, firmemente de braço dado ao meu pai encaminhou-se aos noivos, depois de nos dizer com o olhar que os seguíssemos. O meu irmão pegou na minha mão e lá fomos, para a confusão de abraços, beijos e felicitações. Sorria com vontade de chorar, apertava a mão do meu irmão como se fosse o meu porto de abrigo. Queria fugir, começar a correr e não parar mais. Sair dali rapidamente. Não me preocupar com as convenções e o politicamente correcto. Correr. Apenas isso. Seguiu-se um chorrilho de felicitações que ninguém sentia de facto “Felicidades! Espero que sejam muito felizes! Já mereciam!” coisas que se dizem e não se sentem. E por algum motivo essas futilidades não me saíam. Conforme o Tiago me viu foi como se alguém lhe tivesse batido. “Que fazes aqui”, perguntou em surdina enquanto me beijava no rosto. “Convidaste-me”, respondi no mesmo tom passando à noiva. As restantes horas foram um misto de dor e sofrimento. Evitava olhar para a mesa dos noivos e arrepiava-me de cada vez que ouvia o tilintar dos talheres nos copos. Horas e horas em que não vi mais que o meu prato. Nem ouvia os comentários dos meus pais... Apenas sentia os olhares deles cravados em mim. Sentia a preocupação do meu irmão e a desaprovação dos meus pais. E assim se passou todo o processo de fotos e o almoço. Mas o pior da tarde estava ainda para vir. Com o fim do almoço abriu-se a pista de dança e antes que me desse conta estava na pista a dançar primeiro com o meu irmão e depois com o meu pai. Depois dancei com vários rapazes que nem conhecia... e numa das trocas acabei em frente ao Tiago. Ficamos a olhar um para o outro. Sei que foram apenas milésimas de segundo mas pareceram-me intermináveis minutos. E depois ele abraçou-me... Senti-o suspirar contra mim, como se nos meus braços encontrasse finalmente o que de facto precisava. Roçou imperceptivelmente a cara no meu cabelo e estreitou-me mais nos seus braços. Senti o seu coração junto ao meu, a bater ao mesmo ritmo, como se fosse só um. As nossas pernas estavam entrelaçadas. Sentia-me cravar as unhas no casaco dele, e enquanto rodopiávamos na pista as nossas respirações ficavam mais e mais ofegantes. Na minha mente tinha flashes da nossa primeira noite, sentia os lábios inchados como se ele mos tivesse beijado naquele momento, sentia novamente todas as carícias e todo o prazer que me tinha proporcionado, apesar de estarmos apenas a dançar. E sei que ele sentia o mesmo. A música terminou e com ela veio um gemido simultâneo. Afastamo-nos e olhamos nos olhos um do outro. E depois, mais uma vez, virei costas e saí do salão. Dirigi até casa e deitei-me sem pensar em mais nada. Sentia que um capitulo da minha vida estava finalmente acabado. A minha cama continua fria, continuo sem ninguém a meu lado, mas sei que estes momentos por mais efémeros que tenham sido valeram por todas as minhas anteriores relações. Nesta dança fiz as pazes comigo e contigo também. Espero que sejas feliz. Tens uma filha e uma mulher que te adoram. Aprende a aproveitar. Espero que a tua cama nunca fique fria como está a minha.
TM 21/04/2008

1 comentário:

freshmigo disse...

compreendo-te amiga ... mas acredita , se for sincero, que do outro lado lado tambem não é fácil ...
eu sei do k falo !!!!!!!!!!
Beijão !! ( não tenho pena de ti !! nenhuma !!! tenho é muito orgulho de ser teu "amigo" ... muito mesmo "filhota" !!!!!!!!